quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

PERSONAGENS DE UMA TRAGÉDIA

Tudo aconteceu num dia de inverno comum do sertão nordestino, onde o sol do dia se faz presença constante dos labutadores da terra e do abafado calor das repartições públicas, numa calmaria até irritante. Suas noites se contrastavam com seus dias, sempre acobertados por agasalhos consistentes e seu silêncio interrompido pelo canto do sapo e pelo apelo do grilo. Estavam o dia e a noite em conflito conjugal naquela cidadezinha de pouco mais de cinco mil habitantes. Feneciam com estados comportamentais sempre divergentes, talvez fosse aquele lugarejo o palco do desamor e da tragédia natural.

Capitu, 33 anos, professora municipal, possui como característica seu raciocínio lento e sua obsessão pela futilidade. Helena, 30 anos, professora municipal, engajada na luta da classe educacional, mostra-se sempre com disposição política, seu maior desejo é manter-se incólume num relacionamento. Ceci, 26 anos, professora contratada, com residência fixa na capital e viagem semanal pro interior, a polida. Iracema, 25 anos, desempregada, sustentada pela pensão que a avó recebe, na qual a criou desde nova, quando de forma involuntária fora abandonada pela mãe, sua característica marcante são seus relacionamentos. Macabéia, 22 anos, comerciante, ajuda sua mãe no gerenciamento de um mercadinho e de uma padaria, seu maior objetivo é viver.

As personagens acima se tornam personagens principais, quando tentam usar de subterfúgio comuns para assim modificar os seus respectivos hábitos de seres esquecidos do mundo, escapulindo do marasmo do dia-a-dia da cidadezinha de interior que nada tem a oferecer culturalmente aos seus cidadãos heterodoxos, trancafiados nas jaulas televisas como forma de entreter os seus, em muitos, ávidos por acontecimentos incomuns onde consequentemente seriam emitidos comentários nem um pouco introspectivos, mas herméticos e radicais, dotados da única razão, a sua própria. Julgar a mulher infiel, apontar o efeminado como anormais, ridicularizar o doente mental, dar versões às brigas de vizinhos, rejeitar a adolescente deflorada, questionar o rápido enriquecimento do outro, faz parte da cultura antropológica dos que fazem uma comunidade.

Foi uma terça-feira insólita que marcou a história dessas cinco personagens, Capitu, Helena, Ceci, Iracema e Macabéia, todas residente na mesma e parada cidadezinha do nordeste brasileiro. Costumeiramente após ás 19:00h se encontravam na praça de cima, local aberto e extremamente frio, se encontravam após executarem seus trabalhos, no caso de Iracema, depois do nada. Encontravam-se pra conversarem sobre as amenidades da vida, se lamentando, outras se vangloriando, enfim, seguiam os passos do cotidiano pensante da cidade. Eram as cincos conhecidas por serem mulheres despojadas e independentes, abafavam comentários ali outro acolá, e assim seguiam vivendo. Naquela noite elas desejavam algo incomum, almejavam sair daquele marasmo diário e repugnante que as afligia num todo. Ceci tinha como conseguir a chave do sítio que a família possuía afastada pouquíssimos quilômetros da cidade. Capitu, desejosa por um divertimento mais intimista se lançou na idéia de todas ali reunidas convidarem alguns amigos para se divertirem, afastado da cidade, assim minimizaria os comentários jocosos do dia seguinte. Iracema que tinha já um namorado, de índole um tanto quanto duvidoso, achou por bem convida-lo e assim convidar seus amigos a fazerem companhia. Comprariam bebidas, salgados. Macabéia se responsabilizaria pelo baralho. Capitu pelo transporte até o sítio. Helena pelas bebidas. Ceci pelo sítio. Iracema pelos convidados.

O jogo de trinta e um, envolto numa mesa, pois além das cinco, mais sete rapazes, bebiam e fumavam ao som desses forrós midiáticos, conhecido como eletrônicos. Bebiam uma dose caprichada de vodca seca quem ultrapassasse o número de trinta e um. Todos se divertiam normalmente, despreocupados com o amanhã, se seriam ou não alvos de comentários tortos ou não, inclusive sobre elas, que se faziam acompanhar por rapazes, pertencentes à arraia miúda daquela cidade provinciana. Por volta de 01:00h já da quarta-feira, após todas as garrafas de vodca secarem e todos salgados perecerem, todos resolveram retornar pra cidade. A estrada deserta, tendo somente e unicamente a lua minguante como testemunha, todos voltavam, ainda sob a algazarra do álcool. Iracema, ainda de beijos e abraços com seu namorado tácito. Helena se fazia acompanhar por um rapaz, caminhavam afastados de todos, assim como Ceci que seguiu na frente.

Quarta-feira, a cidade parecia não ter digerido bem o café da manhã, os populares com expressão de ânsia de vômito. O inesperado parecia acontecer de forma trágica. A cidade lamentava, mas gostava de sentir o gosto do trágico. Mal saberia as cinco o que lhes aguardava. De bar em bar, de esquina em esquina, de beata em beata, de boca em boca o assunto era o assassinato truculento de Medeia. Seu corpo fora encontrado completamente desconfigurado, por atos de extrema selvageria, como se fosse vítima de um ritual diabólico, com marcas de queimaduras e órgãos extirpados. Medeia era uma mulher de seus 50 anos, sempre viveu sozinha e nunca chegaria a casar. Jocosamente era conhecida como moça-velha. Pouco se sabia da vida dela, pois não se fazia ser amiga das pessoas, preferia o silêncio. Seu corpo fora encontrado pelo vigia da cidade que percebeu fumaça saindo de sua humilde casa e fora esse mesmo vigia quem desvendou o mistério do crime. Alguns rapazes perambulavam pela rua, tarde da madrugada, nas imediações da casa de Medeia. Diadorim foi preso, assumindo toda a culpa. Era ele o namorado de Iracema. Usuário de drogas. Mantinha um relacionamento duplo. Iracema e Medeia. Matou Medeia para se livrar das cobranças vexatórias que passava constantemente por uma quantia que devia a vítima. Achava-se herói do terror, o espelho da perversidade incorporada no ser humano.

Foram elas que financiaram o crime. Elas estão envolvidas. Era Ceci que ia morrer. Estava com dólares do bolso. Eu já sabia que ia acontecer essa tragédia. Elas são umas perdidas e imorais. São todas usuárias de drogas. Financiam droga na cidade. Eles pretendiam executar todas as professoras. Macabéia era vítima, ela esbanjava dinheiro. Era o que se ouvia na rua e chegava com bastante facilidade aos ouvidos das cincos, e mais, o que as aterrorizava, seus familiares eram atingidos como alvo certeiros de uma guerra civil. Desejavam poder apagar aquela noite com uma borracha, mas tornava-se diariamente uma missão impossível. Sentiam-se acuadas pelos constantes interrogatórios dos populares revestidos pelo poder de polícia que normalmente são atribuídos. Pareciam estar passando diariamente por aprovações e a tônica do suportar era não se deixar abater, naturalmente conduziam suas vidas, trabalhando, conversando, se divertindo pra não se deixar abater, não desejavam ser passivamente acusados, desejavam que logo a verdade viesse à tona.

Medeia morta. Diadorim preso na capital. Iracema ou por vergonha ou por outro motivo indizível se afastou das quatros. Capitu se transformou em dona de casa, zelosa, respeitadora dos princípios que foram impostos dentro de casa. Macabéia, após discussão com sua mãe foi enviada para capital a contragosto. Ceci não mais foi a mesma, passou a pior noite de natal de sua vida. Helena viajou pra casa de sua irmã noutro estado por algum tempo. Ficaram Ceci, Capitu, Macabéia e Helenas mais próximas, apesar da distância pela qual foram submetidas. A cada acontecimento direcionado a uma, as demais se sentem no direito de defesa. Incorporaram-se numa única causa, mostrar que a união não só faz a força como expurga as energias negativas que foram emitidos, durante todos esses acontecimentos pela quadragenária agente de endemias, Glória e a balzaquiana professora infeliz, Vera, quem sabe, personagens próximas de alguma vilania.

Por: Alisson Meneses de Sá

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