segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

PARTE DE UM NASCIMENTO

De onde ela surgiu, quais suas origens e suas intenções, pra onde irá, quais suas perspectivas, o que espera do futuro. Mal sei como iniciar escrevendo sobre uma personagem tão próxima a mim, e por seus costumes ser assaz diferente do que represento. Afinal o que represento? Ela pode se assemelhar a minha mãe com toda sua truculência, a minha irmã com seu ar puro, a minha vizinha agressiva, ou minha empregada descompensada, haja vista que sua história pode ser também um fato concreto e não um mero caso da fertilização doentia de uma mente que pensa. Desejaria mudar o rumo da vida dela, mas o destino a carrega com mãos bem apertadas. Iniciarei falando do seu passado lá no sertão pernambucano, seus pais eram tidos como escravos contemporâneos da agricultura canavieira que ainda era vigente, era o ano de 1987, Amparo, personagem principal dessa história, nasceu no meio do mato, em meio a facão e cana-de-açúcar em estado primário. Cresceu vendo seus pais se sacrificarem para alimentá-la como também seus dois outros irmãos; um com um ano, o Fabinho e o outro com dois, o Joãozinho, ela era a mais nova, seguindo uma carreirinha, como comentava o pessoal do povoado próximo. Foi o tempo de completar 12 anos pra sua mãe já lhe ensinar a lida de dentro de casa, o passar, o lavar, o varrer, Amparo seguia tudo disciplinarmente, assim que chegavam pro almoço o de comer estava pronto na mesa, quentinho como preferia seu pai. Nunca freqüentou uma escola, sua mãe iria tentar colocá-la no ano seguinte na escola do povoado, porque ela sonhava em estudar, mas certamente sentia-se acomodada na ajuda que Amparo dava dentro de casa, se ela fosse estudar, perderia a sua mordomia, teria que acordar cedinho pra deixar as marmitas prontas. Amparo via os filhos do dono do canavial nos meses de janeiro e julho, era suas férias escolar e eles que adoravam brincar com Amparo e seus irmãos falavam da escola, dos seus coleguinhas, da bonita professora e da cruel diretora, ela sonhava com tudo aquilo e pedia sempre a sua mãe pra colocá-la em uma escola, sua mãe a frustrava sempre dizendo que estudo era só pra gente poderosa, pra dono de fazenda, e um dia quem sabe ela seria filha de um homem rico. Ficava adorando quando ia pra estrada catar coquinhos e olhava os caminhoneiros passar. Ela só sabia que queria ser motorista, achava linda a forma grosa que os homens pegavam no volante. Um sobrinho e sua esposa que passavam férias na fazenda do velho Moacir, dono do canavial que trabalhava os pais de Amparo, ficou sabendo do desempenho da menina e da pouca condição de criar dos pais, procurou seu João da Cana e Dona Ceiça, como eram conhecidos, para lhes propor a ida de Amparo pra Aracaju com eles, garantindo o máximo de conforto possível, pois moravam numa área nobre naquela capital e não podiam ter filhos. Iriam dar estudo, conforto e boas condições de vida a menina, sem contar o carinho de filha. Seu pai, meio desconfiado de tudo ficou quieto, deixando sua mulher resolver tudo, o que fosse melhor pra ela seria pra ele, a mãe, auspiciosa, achou por bem a menina ir, pois seu futuro seria diferente dos deles e dos outros meninos. Assim que terminaram a negociação e saíram de casa, os dois irmãos de Amparo que presenciaram tudo se trancaram no quarto e não suportaram toda aquela situação, seriam separados da companhia de sua irmã, não teriam mais com quem ir pra estrada adivinhar os nomes dos carros que passavam enquanto sentados na beira da estrada marcavam no chão um ponto pra quem acertasse qual o próximo carro que apareceria após a curva. Seu pai saiu logo de casa, pegou o facão e no quintal começou a repicar fumo, sem nenhum propósito. A mãe se jogou na cama, em soluços parecia que lhe tinham tirado um braço do seu corpo. Com lágrimas nos olhos e coração apertado ajeitaram as poucas roupas que ela tinha numa sacola de guardar pão, colocou dentro um perfume de alfazema. Sentada na cama sua mãe com um ar rude disse que no outro dia, logo cedo ela iria viajar com o sobrinho de seu Moacir e sua mulher, iria ser criada como uma princesa, numa casa bacana, mandando em seguida ela dormir pra não dar tempo sequer dela pensar. No dia seguinte, logo cedo estava Amparo no banco traseiro do carro a dar adeus a sua mãe, seu pai preferiu não assistir a partida e foi pro canavial. Seus irmãos agarrados um a cada lado do ombro mãe choravam, seu Moacir tentava acalmar garantido que Amparo voltaria outra, mais educada. O carro se afastava e ela via sua vida se distanciar do seio de sua mãe. Sentiria saudades de Fabinho e Joãozinho, da casa, do pai. Talvez fosse melhor assim, pensava ela. Nunca tivera conhecimento de onde ficava essa casa, pensava que era próximo e que podia ver a mãe de vez enquanto. Estava Amparo atônita com tudo aquilo.

Por: Alisson Meneses de Sá

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