terça-feira, 23 de novembro de 2010

A VIAGEM



Maria me trouxe os jornais para o quarto onde estava, olhando fixamente os movimentos dela, ouriçada, arrumando as roupas na mala, parecia não dar a mínima importância para os meus excessivos olhares, acredito que sua mente naqueles instantes só os conduzia ao bem estar do seu gato que encontrava-se em péssimo estado de saúde, tossia muito como se estivesse engasgado. Cansado de não receber sequer uma retribuição do meu estado perplexo para aquele ser tão fascinante que movimentava não só aquele quarto como minha vida, voltei-me para a leitura dos jornais, comecei a ler cobrindo todo o meu rosto, vez por outra espiava seus movimentos sem que ela percebesse. Pensei por alguns instantes, já tomado pelo meu ciúmes comparativo, se o doente ao invés do gato fosse eu seria possível que ela voltasse assim tão fabulosamente para os meus cuidados? Deixaria ela o bichano naquela casa e viajaria para a capital comigo?
Timótio aparecera logo cedo, como sempre gracioso querendo saber se desejávamos algum produto fino da capital. Ela que lembrara do estado do seu animal disse-nos subitamente que pegaria carona com Timótio pra tratar do mal do gato e se hospedaria na casa de sua tia sexagenária. Prestativo, Timótio marcara para logo após o almoço a sua passagem por aquela casa para assim pegá-la. Logo, ela correu para o quarto pra arrumar suas roupas, pois o tempo que almejava ficar na capital era improvável.
Desci as escadas correndo e fui ter com Maria que apressava o almoço, pois já era tarde e costumávamos almoçar sempre tarde aos domingos e feriados. Saí da cozinha e voltei ao quarto, a observei pegar dois pares de meia rosas e três lenços que costuma cobrir os cabelos quando vai deitar-se, disse que não sabia se na capital estava ventando. Ela perguntou se o almoço já estava pronto, pois logo mais Timótio apareceria, respondi que Maria estava acostumada a demorar o almoço aos domingos e que logo ela nos chamaria para descer. Queria na verdade era derrubar ela naquela cama e fazer amor, ali, naquela completa bagunça de roupas. O tempo foi passando e nada de Timótio aparecer, ouvimos Maria nos chamar, descemos e ela mais apressada que tudo passou a minha frente, na sala fez carícias no gato e logo sentou a mesa, depositei suas malas próximo a porta de saída e me dirigi a sala de jantar onde ela já estava a comer. A buzina do carro de Timótio chamava-nos , Maria logo veio e nos avisou que Timótio estava no carro a esperar por sua senhora, olhei pra Maria e abri um sorriso sínico completado por uma piscada de olho. Segurei-a na mão que quase deixa o almoço e disse que Timótio esperava, sabendo da impaciência que sempre tivera Timótio. Alguns instantes depois, abre-se a porta e como já era de casa entra todo esbaforido Timótio, aos berros, casa adentro, reclamando que não gostava de dirigir tarde, ela se levantou da cadeira correu em direção a sala pegou o seu animal, pediu a Maria que a conduzisse com suas malas até o carro, voltou a sala de jantar onde eu ainda me encontrava a oferecer uma taça de vinho a Timótio, tascou-me dois beijos nos dois lados da face e um timidamente nos lábios e correu em direção ao carro de Timótio.
Sentei-me na varanda vendo o carro de Timótio se distanciar, Maria veio logo saber se desejava algo, com uma voz melancólica, insistindo num licor de maracujá, disse que era bom para arejar a mente e acalmar o coração. Como se ela entendesse algo de coração. Tranqüilamente disse que não desejava de seus serviços por aquele dia, fosse descansar, pois comeria algo no café da esquina. Já era escuro, a fome não veio a tona, levantei-me da cadeira de balanço fechei todas as janelas e portas e fui para o quarto, tomei um banho rápido me despi completamente sobre a cama e lá adormeci.

Por: Alisson Meneses de Sá

domingo, 21 de novembro de 2010

AS MANCHAS ROXAS DA RESSACA


 Não agüentava mais sentir o cheiro de sua pele naquela noite de lua minguante e bela por sinal. Seus olhares dissimulados sempre 
penetrava os meus. Não suportava mais ter que dividir suas atenções com ninguém, o que se tornava meramente impossível, pois o jantar que fora oferecido naquela noite tinha personalidades que nos interessava estar, não seria, porém, de bom comportamento ignorá-los. O desejo era doentio, eu precisava urgentemente despir aquele corpo todo sensual e possuí-la inexoravelmente, incansavelmente, como se àquela necessidade um dia fosse em mim fenecer.
O vinho que Timótio trouxera era de boa qualidade e diante do desejo alucinante de ter aquela mulher e da conversa sobre moeda internacional, algumas garrafas assim foram secadas. Senti-me tonto por alguns instantes, logo me dirigi ao banheiro da cozinha, joguei água fria na face, enxuguei e fiquei ali, diante do espelho a me questionar o quanto era idiota e não tomava logo a iniciativa de arrastá-la sem ao menos me desculpar dos convidados e saciar de uma vez por toda aquela sede insuportável.
O teor alcoólico no meu corpo parecia não ter passado, meus movimentos ficaram lentos e de repente senti algumas pontadas na cabeça sugerindo então excesso de vinho, significando no entanto uma ressaca insuportável ao amanhecer. O grupo a cada hora passada não parecia esmorecer, animavam-se mais e mais e Timótio era quem conduzia inteligentemente toda diversão, ela adora ver as expressões de Timótio ao se prolongar nas piadas. A francesa me retirei, parei na cozinha que estava uma bagunça infernal e fiquei a imaginar como tudo aquilo seria limpo, tive momentaneamente pena de Maria. Abri o refrigerador e lembrei que mamãe dava goiabada para curar a ressaca de papai todos os sábados quando era costume papai ir para o bingo da cidade, recordei assim que tinha comprado no início do mês para comer como sobremesa misturado com creme de leite a goiabada, era uma dos lanches que mais adorava degustar após ler jornais no escritório e fumar um charuto cubano. Comi alguns pedaços e não resistir em ir tomar banho quando passava defronte ao banheiro assim que tentava retornar ao grupo.
A água gelada também era receita certa para curar excessos de bebidas alcoólicas. De cueca cheguei ao quarto, meu corpo só me direcionava a cama e assim desabei sobre ela. Apaguei até o momento em que senti aquele corpo quente sobre o meu, sutis beijos percorriam meu corpo em direção contrária à sua boca. Seus lábios molhados sussurravam aos meus ouvidos palavras de “eu te amo', “eu te quero”, “você é meu dengo”; abracei involuntariamente seu corpo febril. Ao longe ouço um som impróprio para a ocasião, era seu bichano que implorando atenção de sua mãe miava. Pela força do álcool minha mente sugeria chutá-lo, mas a razão logo veio à tona lembrando o imensurável carinho que ela nutria por aquele animalzinho insuportavelmente peludo. Complacente como sempre fora, ela deixou-me de acariciar e passou a dar exclusiva atenção àquele bichano. Ela caminhava pelo quarto com o gato no colo fazendo cafuné e aquilo foi me irritando. Eu tinha a completa certeza de que íamos dividir a cama com aquele bicho incapaz de perseguir ratos, e assim ela o fez, colocando o gato entre nossa eterna conchinha. A ressaca logo ao amanhecer aparecera em forma de manchas arroxeadas pelas pernas. Desde pequeno quando odiava as notas baixas no boletim da escola meu corpo surgia redondas manchas roxas.

Por: Alisson Meneses de Sá

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

UM ÁTIMO DE VISITA


Arranjei a rede após a refeição da noite e nela me entreguei, deixei-me ser abraçado involuntariamente pelos braços da rede. Minha solidão era uma constante e na rede me fiz, a imaginar situações, a escrever mentiras a esperar o tempo se diluir enquanto o sono não chegava, tudo seguindo uma rotina macificante as vezes insuportável pois era certo aturar nas horas de solidão em meio a uma rede ligada de um ponto ao outro no meu quarto de repente um som estridente surgiu vindo da entrada da casa.

Apareceu sem justificativas plausíveis. Convidei a entrar. Ofereci chá, café, sequilhos de nata, até uma coca-cola na geladeira esquecida, a tudo parecia se agraciar, mas nada me respondia se por acaso o olhar fixo sobre meus olhos já não fosse perguntas seguida de respostas. Não tinha percebido que a visita ainda estava estática na porta e eu sem jeito para receber, em meio a minha insuportável e tosca timidez convidei pra entrar naquela humilde residência. Seus passos eram firmes, precisos de quem entrava naquele recinto com algum propósito. Estabeleceu-se no sofá defronte pra minha rede e ali ficamos a conversa sobre as amenidades da vida cotidiana e algo estranho me havia ocorrido, mas de nada poderia exaltar, pois não tinha completa certeza, e do nada me revelou que era de costume me expiar em momentos de outrora, quando passava por sua calçada, desengonçado, sem pensamentos expressivos, talvez sem muitas ansiedades, pois havia anos que me transformara em viúvo e o que mais desejava era que Deus me apontasse como seu escolhido para ser levado, a cada dia isso era almejado. Lembrei-me de que realmente sempre que passava pela rua da Aurora que corta a do Ouvidor sentia-me como sendo estranhamente observado, exatamente no trecho movimentado e confesso que certa vez vi uma moça com uma fita vermelha na cabeça, segurando uma trança, encostada no alpendre da casa amarela, a me observar, a observar meus passos. Comentou também que o casaco cinza, o meu preferido, era também o preferido dela. Seus olhos brilhavam.

Consertou a almofada desajeitada sobre o sofá e aquele simples gesto me fez chorar, lembrei da Júlia, não que a Júlia fizesse igual, percebi que poderei amar. Disfarcei e disse que a poeira da rede fez entrar fagulhas no meu olho e me fez espirrar. O sorriso que se abriu nos lábios foi de uma precisão monumental, como se dissesse algo que tomado pelo átimo da visita não conseguia decifrar. O tempo foi passando e não tínhamos percebido que o tempo ligeiro passava, a cada minuto passado mais os nossos gostos se combinavam, nossos corpos se atraiam e assim do átimo deu-se a permanência e foi se perpetuando e se estabelecendo faceiramente dentro da minha alma, passou-se as horas como também passou-se os dias e seu lugar foi sendo construído, da forma mais singular. E se o amor apareceu naquela casa veio em formato de conchinha, pois é assim que se agrega ao meu corpo pra dormir.



Por: Alisson Meneses de Sá