Não suportei e chorei, chorei feito criança birrada, cheia de vontade e com uma tristeza infinita dentro dos olhos, quase não consigo chegar ao final da segunda leitura pela sua intensidade, fazendo questionamentos sem obter, pelo estado de consternação que me encontrava, resposta concreta. Bertold Brecht tornou-se, ao meu ver, após tê-lo conhecido superficialmente nas aulas de história contemporânea, com aquele professor que mais dormia em pé do que ouvia as nossas declamações, um ícone incomparável da literatura mundial, passarei enfim a adentrar mais e mais nas suas obras, começando agora por seus poemas depois para seus textos teatrais. Abaixo segue o texto que mais me comoveu. A lenda da prostituta Evelyn Roe...
Veio a Primavera era azul o mar
Mas ela não sossegou
Com o último barco ao navio chegou
A jovem Evelyn Roe
Vestido bem simples cobria seu corpo
Belo celestial
Em vez de jóias o ouro só
Do seu cabelo tão sensual
“Meu capitão, ai leva-me,à Terra Santa
Anseio por meu Jesus!”
“Pois vem, mulher, porque bela és tu
E loucos somos nós!”
“Cristo vos pague que pobre eu sou
Minh’alma é de Jesus, é do Senhor”
“Pois dá-nos teu tenro corpo, mulher
Porque o Deus que tu amas não nos pode pagar
Pois já morreu na cruz”
Eles navegaram com vento e sol
E amaram Evelyn Roe
Que comeu seu pão e bebeu seu vinho
Mas com lágrimas o amargou…
Dançavam de dia
Dançavam de noite
E o leme ficou ao léu
Evelyn Roe era branda e doce
Eles duros qual pedra e fel
Ela viu primavera e verão passar
De sapatos rotos de noite andou
De verga em verga, perdido o olhar
Uma praia tranqüila quis vislumbrar
A pobre Evelyn Roe
Dançava de dia
Dançava de noite
Qual doente enlanguesceu
“Meu capitão, quando afinal
Terra Santa verei eu?”
Nas coxas o capitão sorriu
E beijando-as lhe falou:
“Quem disso tem culpa não sou eu
E sim a Evelyn Roe”
Dançava de dia
Dançava de noite
Qual cadáver ela ficou
E do capitão ao grumete, enfim
Todo mundo dela se fartou
Trapos cobriam seu corpo já
gasto ferido inchado
E grenhas imundas a lhe cair
No rosto desfigurado
“Jamais te verei, Cristo meu Jesus
Com meu corpo pecador
Tu não podes com puta Te encontrar
Com esta pobre mulher, Senhor!”
Da popa à proa ela vagueou
Coração e pés a sangrar
Numa noite quando ninguém a viu
Ela se atirou no mar.
E a onda glauca a acolheu
E o seu corpo alvo tornou
E agora bem antes do capitão
Terra Santa ela alcançou
Quando enfim chegou ao Paraíso
São Pedro o portão trancou
Deus disse: “Não vou acolher no céu a puta Evelyn Roe”
Também quando ao Inferno ela chegou
A porta na cara levou
E o diabo gritou: “Não quero aqui a beata Evelyn Roe”
Então ela anda de déu em déu
Ao vento e ao luar vagueando
Em verdade vos digo eu a vi passar
Tarde da noite… no campo a errar…
Às tontas, sem paz, sem jamais parar
Alma penada
Sem morada
A pobre Evelyn Roe
Um comentário:
Esse texto é mesmo muito emocionante. Amo Brecht. Parabéns pela escolha.
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