sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

A lenda da prostituta Evlyn Roe

Não suportei e chorei, chorei feito criança birrada, cheia de vontade e com uma tristeza infinita dentro dos olhos, quase não consigo chegar ao final da segunda leitura pela sua intensidade, fazendo questionamentos sem obter, pelo estado de consternação que me encontrava, resposta concreta. Bertold Brecht tornou-se, ao meu ver, após tê-lo conhecido superficialmente nas aulas de história contemporânea, com aquele professor que mais dormia em pé do que ouvia as nossas declamações, um ícone incomparável da literatura mundial, passarei enfim a adentrar mais e mais nas suas obras, começando agora por seus poemas depois para seus textos teatrais. Abaixo segue o texto que mais me comoveu. A lenda da prostituta Evelyn Roe...




Veio a Primavera era azul o mar

Mas ela não sossegou

Com o último barco ao navio chegou

A jovem Evelyn Roe

Vestido bem simples cobria seu corpo

Belo celestial

Em vez de jóias o ouro só

Do seu cabelo tão sensual

“Meu capitão, ai leva-me,à Terra Santa

Anseio por meu Jesus!”

“Pois vem, mulher, porque bela és tu

E loucos somos nós!”

“Cristo vos pague que pobre eu sou

Minh’alma é de Jesus, é do Senhor”

“Pois dá-nos teu tenro corpo, mulher

Porque o Deus que tu amas não nos pode pagar

Pois já morreu na cruz”

Eles navegaram com vento e sol

E amaram Evelyn Roe

Que comeu seu pão e bebeu seu vinho

Mas com lágrimas o amargou…

Dançavam de dia

Dançavam de noite

E o leme ficou ao léu

Evelyn Roe era branda e doce

Eles duros qual pedra e fel

Ela viu primavera e verão passar

De sapatos rotos de noite andou

De verga em verga, perdido o olhar

Uma praia tranqüila quis vislumbrar

A pobre Evelyn Roe

Dançava de dia

Dançava de noite

Qual doente enlanguesceu

“Meu capitão, quando afinal

Terra Santa verei eu?”

Nas coxas o capitão sorriu

E beijando-as lhe falou:

“Quem disso tem culpa não sou eu

E sim a Evelyn Roe”

Dançava de dia

Dançava de noite

Qual cadáver ela ficou

E do capitão ao grumete, enfim

Todo mundo dela se fartou

Trapos cobriam seu corpo já

gasto ferido inchado

E grenhas imundas a lhe cair

No rosto desfigurado

“Jamais te verei, Cristo meu Jesus

Com meu corpo pecador

Tu não podes com puta Te encontrar

Com esta pobre mulher, Senhor!”

Da popa à proa ela vagueou

Coração e pés a sangrar

Numa noite quando ninguém a viu

Ela se atirou no mar.

E a onda glauca a acolheu

E o seu corpo alvo tornou

E agora bem antes do capitão

Terra Santa ela alcançou

Quando enfim chegou ao Paraíso

São Pedro o portão trancou

Deus disse: “Não vou acolher no céu a puta Evelyn Roe”

Também quando ao Inferno ela chegou

A porta na cara levou

E o diabo gritou: “Não quero aqui a beata Evelyn Roe”

Então ela anda de déu em déu

Ao vento e ao luar vagueando

Em verdade vos digo eu a vi passar

Tarde da noite… no campo a errar…

Às tontas, sem paz, sem jamais parar

Alma penada

Sem morada

A pobre Evelyn Roe

Um comentário:

Anônimo disse...

Esse texto é mesmo muito emocionante. Amo Brecht. Parabéns pela escolha.